Metamorfose

Estava sentada na porta da escola esperando meus pais chegarem, mal conseguia parar em pé, parecia que eu havia comido alguma coisa que não fez bem e não conseguia parar de vomitar.

Vejo o carro dos meus pais se aproximar, minha mãe desceu do carro para me ajudar e ficou assustada quando me viu:

– O que aconteceu, minha filha? Você está ficando meio verde! Vamos direto para o hospital!

Entro no carro e meu pai também fica assustado:

– Que isso Filha? Sua pele está verde!

Tento ser irônica:

– Estou virando uma alface!

Quando eu disse isso eles não aguentaram e começaram a rir, tentei rir, mas meu estômago ficou enjoado novamente e vomitei dentro do carro. Meu pai acelerou em direção ao hospital e minha mãe ficava olhando para mim bastante assustada:

– Você está ainda mais verde filha!

Chegamos no hospital, os médicos me examinaram e não encontraram nada. Eu estava normal, mas ninguém entendia por que ainda sentia enjoo e fazia vômito. A minha pele estava ficando mais verde.

Os médicos resolveram me deixar internada em observação, eles ficaram com medo de me deixar ir para casa nesse estado e queriam tentar descobrir o que estava acontecendo. Fiquei internada em um quarto que deveria ser perto do refeitório do hospital, estava sentindo um cheiro muito gostoso:

– Nossa que cheiro bom! Vocês estão sentindo?

Meus pais estavam olhando para mim assustados novamente:

– Agora apareceu uma verruga no seu nariz! Você está começando a parecer com…

Antes que meu pai pudesse responder minha mãe interrompe:

– Não diga o nome dela!

– O nome de quem? – pergunto curiosa

Ao invés de responderem começaram a discutir:

– E se ela for igual? – disse meu pai

– Não pode ser! Vou perder minha filha! Ela não pode ser isso! – disse minha mãe aos prantos.

– E se for! Olha para ela? Está parecendo muito com…

– Não fale o nome! Não quero escutar esse nome!

Eu me levanto sem entender o que estava acontecendo e vou para o banheiro, olho no espelho e me assusto. Minha pele estava verde e havia uma verruga enorme (e cabeluda!!!) no meu nariz. Saio do banheiro chorando desesperada:

– O QUE ESTÁ ACONTECENDO COMIGO????

Começo a sentir aquele cheiro gostoso novamente, saio do quarto e começo a perseguir o cheiro sem parar, eu não conseguia me controlar, só queria sentir mais de perto esse cheiro. Vou andando pelos corredores e me deparo com uma enfermeira carregando um recém-nascido. O cheiro estava por toda parte, não conseguia entender o que estava acontecendo.

A enfermeira olha para mim preocupada e pergunta:

– Está tudo bem senhora? A cor da sua pele está estranha! Já chamou o médico?

– Senhora? – foi a única coisa que consegui responder, eu não conseguia parar de sentir o cheiro, queria chegar mais perto da criança, carregá-la, cheirá-la e …

– Comer? – pensei em voz alta.

A enfermeira olhou para mim confusa e disse:

– O que disse senhora?

Começo a chorar desesperadamente:

– O que está acontecendo comigo? Esse cheiro está vindo dessa criança? EU QUERO MUITO COMER ESSA CRIANÇA!

A enfermeira se assusta com as minhas palavras e sai correndo. Começo a correr atrás dela, jogo ela no chão e pego a criança que estava aos prantos, eu não conseguia mais me controlar, precisava muito dessa criança.

Sua pele era tão macia e cheirosa, quando estava pronta para morder aquele ser pequenininho no meu colo, senti um golpe muito forte na minha cabeça, fiquei tonta, minhas vistas escureceram. Só conseguia escutar bem de longe a voz dos meus pais:

– Ela não está bem! Vamos levar ela para outro hospital!

– Me desculpem! Já vamos tirá-la daqui!

Depois disso, senti eles me levando até o carro e apaguei.

Quando acordei e olhei para as janelas percebi que não estávamos mais no hospital. Acho que nem estávamos mais na cidade, o lugar era cercado por árvores. Vejo um espelho e tento me aproximar, minha aparência estava muito mais assustadora, minha pele estava verde como uma alface e estava enrugada (também como uma alface?), meu nariz havia crescido e a verruga estava E-N-O-R-M-E! Meus dentes pareciam podres, meus ombros estavam quase da altura da minha cabeça. Eu virei o corcunda de Notre-Dame feio?

Saí do carro, meus pais estavam em frente a um chalé todo preto e com eles havia uma senhora muito parecida comigo, ela se aproxima sorrindo e diz:

– Eu sabia que uma bruxa nova ia acabar aparecendo na família! Eu já estou velha demais! Alguém precisa ocupar o meu lugar!

Meus pais começaram a chorar e a velha respondeu:

– É o destino dela! Não tem o que fazer! Você sabia que isso poderia acontecer, filho! E claro que ela iria puxar a avó dela!

– Filho? – pergunto assustada – Você disse que minha avó tinha morrido!

Começo a chorar olhando para os meus pais:

– Perdoa eles minha netinha! Nós não conseguimos viver em sociedade! Precisamos comer! E acho que você já sabe muito bem o que, não é?

– Eu nunca pensei que minha filha seria um monstro como você Ma… Ma…tilda! – minha mãe realmente não gostava de dizer o nome da velha, depois de dizer isso, ela se vira e vai embora sem se despedir.

Meu pai me abraça e eu começo a vomitar novamente:

– Podem ir! Agora deixem que eu cuido dela!

Vejo os meus pais indo embora e me sento meio tonta na porta do chalé:

– O que será de mim agora?

A velha se aproxima e tira uma varinha das suas vestes, ela se transforma em uma mulher Jovem e muito bonita, parecia ser um pouco mais velha que eu. Ela sorri com meu espanto e responde:

– Vou ensinar tudo que eu sei para você! Mas para conquistar os seus poderes você precisa comer!

Ela pegou a varinha novamente e transformou o chalé, que era velho e feio, em uma pequena casa linda e coberta de doces.

– Agora é só se sentar e esperar! O nosso jantar virá até nós.

Entramos na casa. Não sei quanto tempo havia se passado, fui despertada por aquele cheiro irresistível novamente. Dessa vez o cheiro apresentava algumas notas diferentes da primeira vez, estava muito mais sutil, acho que só consegui perceber por que as crianças já estavam quase ao meu lado.

– Maria, isso está muito gostoso!

– Eu estava morrendo de fome, João!

Não conseguia me concentrar nas vozes, a única coisa que eu sentia era fome.


Ilustrador: Brendom Rodarte

Escritora: Nathália Santos

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Desaparecidos em Cinasville: Parte II

Eu não conseguia ver os Trolls só senti os golpes e mordidas; Escutei tiros, gritos e, quando estava quase apagando, alguém me puxou para fora da ponte e me deitou em uma trilha no meio do mato:

– Fique quieto aqui!

Percebo que era um dos empregados, os outros também já estavam ali escondidos, assustados e machucados. Ainda um pouco desnorteado por causa dos golpes, dou sinal para o psiquiatra pegar o mapa e olhar aonde levava essa trilha para podermos fugir por ela:

– A trilha é segura! – disse o psiquiatra bem baixinho – No final dela existe uma cerca elétrica, se conseguirmos desativar ela, pulamos o cercado para o lado do casarão da Fazenda.

Me levanto na altura do mato, para que nenhum dos Trolls ache a gente, começo a andar pela trilha:

– Vamos equipe! Sem chamar atenção de ninguém!

Andamos por um tempo e parece que os Trolls não nos seguiram, chegamos na cerca elétrica e havia uma cabine, dentro dela um painel com vários botões:

– Meu Deus, que sorte! Eu vim o caminho todo pensando em como iríamos desativar essa cerca. – disse o psiquiatra.

Um dos empregados já estava dentro da cabine e disse:

– Aqui está dizendo para apertar um botão, eu já apertei!

Todo mundo fica paralisado esperando algo acontecer, penso: “Que idiota! Como aperta o botão sem saber o que ele faz”. E escuto o psiquiatra xingar:

– Se esse botão fizesse algum barulho nós já estaríamos mortos!

A garçonete joga um galho na cerca elétrica:

– Parece que ela está desativada! Não aconteceu nada!

O investigador paranormal começa a subir na cerca, começo a acompanhá-lo e os outros ao ver que estava tudo bem começaram a subir também. Quando todos estavam do outro lado, começamos a andar sorrateiramente em direção ao casarão da fazenda. Chegando pelos fundos vejo que na frente da casa haviam vários capangas trolls guardando a entrada principal:

– Se entrarmos todos juntos nunca vamos saber se eles descobriram que estamos aqui! Quatro de vocês vem comigo e o restante fica de guarda aqui do lado de fora!

Todos concordaram.

– Ei dona do bar! Vem você e seus empregados comigo, quero que você comigo também investigador paranormal! Para os que vão ficar, se acontecer qualquer coisa assobiem, vou saber que fomos descobertos! Se eu assobiar, sigam com o plano.

Escuto todos dizerem:

– Sim Chefe!

Começo a abrir as portas dos fundos bem devagar e a entrar calmamente. A casa estava toda escura, ligo a minha lanterna e percebo que estávamos passando pela cozinha. O investigador paranormal derruba uma frigideira, mas conseguiu pegá-la antes de bater no chão:

– Meu Deus gente! Poderiam fazer um pouquinho menos de barulho?

Quando termino de dizer isso me viro com a lanterna e dou de cara com Kozlov:

– QUEM SÃO VOCÊS? O QUE FAZEM NA MINHA CASA?

Fico parado com a arma apontada para ele:

– Viemos atrás do item que você roubou da igreja! – disse o investigador paranormal.

– Eu roubei? Como podem provar isso? Tenho onze Trolls à minha disposição, vocês nunca sairão daqui com vida!

– Tem certeza?

Vejo que ele está com um rádio na cintura, antes que ele pensasse em usar começo a assobiar. Escutamos barulhos de pedras caindo no chão, os Trolls haviam sido sendo pegos de surpresa pela equipe que ficou do lado de fora.

– Acho que deveria reforçar mais a segurança – disse um dos empregados.

Começos a rir e o encurralamos em um canto da cozinha a pontando armas para ele. O investigador paranormal continua:

– Tenho informações de que você está envolvido sim! E o sumiço do padre Vogel também é culpa sua!

– PADRE VOGEL ERA UM ENXERIDO! – Kozlov grita e tira uma faca escondida do seu bolso. Antes que pudesse reagir, ele corta a garganta da dona do bar, ela cai no chão sem vida.

Dou um tiro na sua perna e ele cai no chão. Me debruço sobre ele apontando a arma na sua cabeça:

– Se quiser viver, responda logo! Onde está o objeto roubado?

– Está no labirinto do meu jardim! Em um cofre!

– Onde está a chave?

– Assim fica fácil demais! – ele começa a gargalhar

Um dos empregados abalados com a morte da chefe, pega a arma e atira na cabeça dele:

– Não gostei da risada dele!


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Desaparecidos em Cinasville: Parte I

– Prefeito! Prefeito! Por favor! Vocês têm notícias dos desparecidos?

O prefeito ignora a repórter e ela se volta para mim:

-Capitão Gensel! Meu nome é Jessica Klein, sou do Diário da Bavária, você já tem alguma notícia ou pista dos desaparecidos?

Respondo bem rápido antes de entrar na delegacia:

– Até o momento foram constatados seis desaparecimentos que não deixaram nenhum tipo de vestígio, nem marcas de arrombamento ou de luta. Estamos trabalhando duro para que todos estejam de volta em seus lares sãos e salvos!

Entro na delegacia rapidamente, já estava cansado de dar satisfações sobre o desaparecimento dessas pessoas. Chegando lá dentro um casal estava desesperado:

– Alguém me ajuda! Nossa filha está desaparecida! – disse o homem abraçado com uma mulher que estava aos prantos.

Agora são sete desaparecidos – pensei alto – e todos que estavam na delegacia olharam para mim. O prefeito se aproximou com um senhor bem baixo e gordo, dono de umas das melhores cervejarias de Cinasville. Eu pensei que o senhor estava preocupado com as pessoas até ele abrir a boca e dizer:

– E o festival, Capitão Gansel? Corre algum risco de ser cancelado? Estou muito preocupado em não faturar as minhas cervejas esse ano!

Reviro os olhos revoltado, não é possível que esse homem esteja preocupado com isso. O prefeito responde:

– Há coisas mais importantes que faturamento Sr. Harten, não acha? Não estou dizendo que o festival Bomer Spiel não é importante! Este evento movimenta o nosso turismo trazendo benefícios para todos! Por isso vamos fazer de tudo para que isso se resolva antes do evento não é capitão?

Antes que eu pudesse responder ele me interrompe e continua falando:

– Foi isso que eu vim tratar com você capitão! Resolvi dar uma recompensa para a melhor equipe de pessoas, não precisam ser policiais, que conseguirem desvendar esse mistério! Já temos várias pessoas na sala ao lado esperando para se inscrever!

– Como assim prefeito? Ninguém me avisou de nada! – pergunto para ele assustado.

– Foi uma decisão rápida! – ele se vira para o Sr. Harten dizendo – É só isso que o Sr. tem para falar? Estou de saída, boa noite para vocês!

Ele se vira e vai embora. Vou em direção a sala morrendo de raiva: – Como assim ele arruma essa ideia de que qualquer pessoa pode resolver o caso e não me fala nada? E já temos pessoas para se inscrever? Ele deve estar achando que nós policiais não estamos dando conta!

Chego na sala e encontro nove pessoas prontas para se inscrever e nenhuma delas era um policial. Quando elas terminam de se inscrever, a única coisa que penso é que grupo esse meu Deus? Tinha um investigador paranormal, uma ex- cientista, um padre recém-chegado na cidade, um psiquiatra, uma garçonete, um motorista, a dona do melhor bar da cidade e seus dois empregados. Parece um filme que eu assisti esses dias, só faltou um tubarão lendo um livro.

Saio da sala indignado, como o prefeito deixa qualquer pessoa tomar conta de um caso tão importante quanto esse? Meus devaneios são interrompidos quando escuto alguém me chamando:

– Ei Capitão! Você tem um minuto? – Era o investigador paranormal.

– Sim! – Respondo tentando conter minha indignação.

– Eu tenho uma pista! Eu não sei se é necessariamente esse homem, mas um espírito me falou através de sonhos sobre um importante fazendeiro chamado Niko Kozlov aqui da cidade, conhece?

Todo mundo conhecia Niko Kozlov, ele era o fazendeiro mais rico da redondeza.

– Sim! Ele é praticamente o dono de quase todas as terras por aqui! O que tem ele?

– Os espíritos me contaram que com ajuda de pessoas importantes da igreja ele roubou algo muito valioso! Eu não sei o que é! Mas é algo muito importante! E uma das pessoas desaparecidas é o Padre Rene Vogal! O padre mais importante da cidade! Não acha isso suspeito?

– Sim! Isso é muito suspeito! – disse pensativo.

Não é que ele tinha razão! Isso era muito suspeito e ninguém confiava em Niko, ele era ambicioso e trapaceiro, foi assim que ele conseguiu subir na vida. Eu não podia perder essa oportunidade, é a primeira pista que tive em semanas do desaparecimento dessas pessoas:

– Eu quero que você junte o grupo e encontre comigo hoje à noite perto da fazenda do Sr. Niko Kozlov, entendeu? Vamos investigar para ver se achamos mais alguma coisa!

O investigador paranormal responde empolgado:

– Sim senhor! Estaremos lá!

Depois de um longo dia de trabalho, peguei meu carro e encontrei o grupo perto do portão da fazenda de Niko. Orientei que eles escondessem os carros e ficassem escondidos:

– Precisamos ser sorrateiros para que ninguém descubra que estamos lá!

O psiquiatra se aproxima me entregando um papel:

– Fiz um mapa da fazenda! Ela é muito grande! Vai ficar mais fácil para investigar!

Seguro o mapa na mão pensando como ele conseguiu fazer isso? Essa equipe está se saindo melhor do que eu esperava.

Esperamos os trabalhadores da fazenda irem embora e começamos a investigar, olhamos cada canto da fazenda e não achamos nada de suspeito, até que chegamos em uma ponte. No final da ponte havia uma casa velha sem nenhuma iluminação direito no local. Quando estávamos nos aproximando da casa, escutei uma criança chorar.

– Vocês estão escutando isso? Parece uma criança! – disse a garçonete

O choro de aproximava, peguei minha lanterna e iluminei o final da ponte. Havia uma criança muito esquisita, ela chorava muito, parecia ter uns dois metros e seu corpo era todo deformado. Escutei passos vindo atrás de nós e a ex-cientista gritou:

– SÃO TROLLS!

A luz da minha lanterna apagou e os Trolls começaram a atacar.


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OS Esquecidos

Estou preso aqui há mais de 20 anos e nunca me deparei com essa prisão tão quieta. Não vejo mais os guardas, carcereiros, faxineiros ou visitantes. O pessoal da limpeza só pode ter sido demitido pois o cheiro das celas já está insuportável. Não abrem mais as celas para levar a gente para comer, não consigo sentir nem o cheiro da comida, acho que nem os cozinheiros estão mais aqui.

Parece que fomos abandonados e o motivo ninguém sabe. Os dias foram se passando, a fome estava apertando. Escutava meu colega de cela gritando por socorro, tentando quebrar a porta para sair, os outros presos fazendo a mesma coisa e nada de aparecer alguém para ajudar.

Até que um dia, na madrugada, escutei um barulho. Acordei com milhares de presos correndo livres pelos corredores, meu amigo de cela, Wilson, parado me esperando:

– Acorda Michael!! Vamos lá ver o que está acontecendo?

Levanto apressado e o único lugar que eu penso em ir é direto para cozinha. Chegando lá vejo os presos revoltados, não tinha comida! Levaram tudo embora. Eu fico horrorizado e começo a me sentir mal, estava muito sonolento por causa da falta de comida e acabo me encostando em um canto da cozinha, quando Wilson se aproxima e diz:

– Vamos sair daqui! Isso aqui vai virar uma bagunça, eles estão com muita raiva, vai acabar um descontando no outro.

Concordo com Wilson e me levanto para acompanhá-lo. Começo a seguir ele e percebo que estamos indo na direção oposta da saída, acabamos parando na sala de segurança.

-Vamos procurar alguma coisa aqui Michael! Quem sabe a gente consegue saber o que está acontecendo?

Começamos a revirar a sala e depois de muito tempo achamos vários jornais com notícias dizendo que um vírus estava se espalhando e matando pessoas no mundo, várias cidades foram abandonadas e o pior de tudo, o governo iria lançar um decreto para que as prisões fossem deixadas de lado, porque não tinha recursos para cuidar ou transportar os presos caso acontecesse alguma coisa.

– ENTÃO FOMOS DEIXADOS PARA MORRER!

Falo isso para ele, gastando todas as forças que eu ainda tinha, e começo a ficar sonolento outra vez. Acabo apagando ali mesmo.

Quando eu acordo, ainda estou na sala de segurança, e vejo que Wilson está assustado e coberto de sangue:

– O que está acontecendo? Quanto tempo eu dormi?

– Você dormiu por uns dias Michael, mas não sei mais a contagem dos dias, a prisão está uma loucura, eu estou ficando louco, eu precisava comer, Michael! Uma hora você vai ter que comer também!

Eu tento responder, mas apago novamente.

Acordo dessa vez com Wilson me chamando, vejo que ele está coberto de sangue até a cabeça, olho para o chão e só tem sangue. Ele enfia um pedaço de carne na minha boca;

– Você precisa comer Michael! Vai acabar morrendo!

Começo a comer aquela carne sem nem ao menos saber de onde veio, quando eu já estava bem cheio começo a apagar novamente, meu corpo já não estava mais acostumado com tanta comida e a última coisa que eu me lembro é ter visto era algo no chão que parecia muito ser um braço humano.

Dessa vez eu acordo sozinho, mas me sentindo melhor, e percebo que estou todo coberto de sangue, olho para o lado e vejo uma pilha de pedaços de corpos. Começo a tremer, e uma chuva de lembranças surge em minha cabeça. Wilson matando pessoas, eu atacando pessoas, dilacerando pessoas para comer. Começo a ficar desesperado, será que eu nunca apaguei? Sempre estive aqui? Há quanto tempo já estou fazendo isso?

Saio correndo desesperado da sala de segurança e acabo encontrando um outro preso no corredor, que me agarra e me prende pelo pescoço contra a parede. Vejo que ele estava tão desesperado quanto eu;

– O que está acontecendo? – Pergunto com a voz rouca, estava com dificuldade para falar.

Ele responde:

– Olha se não é o famoso Michael, “o esquartejador”. Agora todos somos iguais aqui, um ano sem comida, viramos animais!

– Onde está o meu colega de cela?

– Colega? – o preso começa a gargalhar. – Você está há 20 anos na solitária! Será que o grande Michael tem um amiguinho imaginário?

Fico paralisado. Me recordo de tudo, desde o dia que fui preso. Até que os 20 anos não tinham sido tão ruins com a companhia do Wilson, mas era tudo na minha cabeça. O preso interrompe meu devaneio, a sua expressão agora aterrorizante, parecia um predador:

– A única coisa que eu quero é sobreviver e só tem um jeito, você sabe como? Comendo para não morrer de fome!

Apaguei novamente, dessa vez por falta de ar. Acordei com uma dor insuportável na minha coxa esquerda. Percebi que ele estava me comendo aos poucos, mas me mantendo vivo para a carne durar mais tempo. Os próximos dias seriam mais longos para mim do que os últimos 20 anos.


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O artista do ano

Querido leitor,

Você acaba de ser premiado! Está prestes a ler a história mais incrível da sua vida!

Meu nome é Henry Longbottom e gostaria de contar para vocês uma história. Primeiramente você sabia que existe uma sociedade de artistas que atua no mundo inteiro? Buscamos recriar o “Renascimento” na sociedade moderna. Temos conosco os melhores artistas do mundo, e em cada lugar vocês nos dão um nome, pois estamos sempre envolvidos nos eventos mais polêmicos do mundo.

Os encontros da sociedade acontecem de cinco em cinco meses, em diversos locais, é claro! Não queremos que nos encontrem assim tão fácil, mas sempre deixamos uma pequena pista no final, para saberem que dessa vez o evento aconteceu ali.

Ficamos orgulhosos quando as nossas criações viram notícia e vocês criam até nomes para nós, de acordo com o nosso padrão. É como se cada nova obra fosse parte de uma exibição, mas vocês realmente acham que aquele nome define o nosso trabalho? Isso só faz com que nos sintamos muito importantes e com vontade de a cada dia mostrar mais o nosso trabalho. Na verdade, vocês não sabem de nada.

Voltando para o assunto, estava só introduzindo vocês ao nosso mundo, a história que quero contar é sobre como eu tentei me tornar o artista do ano dessa vez. Todo ano escolhemos alguém para esse prêmio, com direito a um baile e um banquete esplêndido. O título é entregue para quem fizer o melhor trabalho durante o ano, o mais inovador, o mais criativo.

Eu nunca consegui ganhar esse prêmio, confesso que minhas técnicas estão bem ultrapassadas e não sou nada criativo. Então, depois de muitos anos tentando e nunca saindo do lugar, esse ano resolvi fazer uma coisa diferente: Primeiro, no dia da votação, convidei o jurado principal do evento para um almoço na minha casa. Era apenas um evento para nós dois, mas ainda assim preparei uma refeição digna dos deuses. Depois de vários pratos, finalmente servi a sobremesa, o meu bolo de frutas vermelhas, e deixei para servir na sua frente a minha calda especial de chocolate. O meu ingrediente especial é um sonífero que faz o privilegiado convidado dormir em apenas 3 segundos. Assim que ele dormiu o levei para o freezer, onde aguardaria até o “grand finale”.

Peguei o seu celular e mandei uma mensagem para a alta cúpula da sociedade, dizendo que a comida do jantar principal do evento de seleção deste ano seria feita pelo Henry Longbotton, (eu, no caso) e que tinha decidido isso de última hora. O cozinheiro do prato principal era sempre alguém escolhido entre os membros.

Então comecei a trabalhar na minha obra derradeira. Pendurei o corpo do jurado em um gancho no meu abatedouro e com uma faca bem afiada fiz um corte sobre os ossos da coluna, aos poucos fui cortando as carnes que estavam perto dos ossos, tirando a pele e os outros órgãos, deixando apenas as melhores partes para fazer um belo “Steak tartare”.

Chegando no evento, na hora do jantar, servi a todos dizendo que era uma receita de família, os pratos estavam magníficos. Fiz questão que todos comessem antes de se iniciar a votação para o artista do ano. Recebi vários elogios (era isso que eu esperava) e me pediram até a receita, mas disse que ainda não podia contar o segredo do prato. Logo antes de se iniciar a votação, subi ao palco e contei o meu feito:

– O que acharam do prato principal desta noite? Este é o meu prato especial, com carne fresca do Sr. Lestrange.

Achei que isso já ia me fazer levar o troféu do ano para casa, mas todos começaram a gritar e me xingar dizendo que só o que eu fiz foi copiar o maior artista de todos os tempos, Hannibal Lecter, e disseram que a partir deste momento estava expulso da sociedade. Para piorar, deixaram o que sobrou do prato de pista para polícia, isso causou um tumulto enorme. Não demorou um dia para começarem as notícias de que Hannibal estava de volta.

E é por isso que estou escrevendo esta carta e contando essa história, para você aí que a encontrar, dizer para o mundo que não foi o Hannibal dessa vez quem fez o jantar! Hannibal está morto! Dessa vez foi Henry Longbottom! Agora este é o MEU ESTILO.

Atenciosamente,

Henry


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