O objeto que aprisiona o mundo

Ana estava sentada na calçada em frente a sua casa muito ansiosa esperando seu pai chegar, ele era um arqueólogo muito famoso e vivia viajando. Dessa vez ele já tinha passado mais de um ano sem ver sua família. Ana mandava cartas para ele todo o mês, a última que recebeu foi do seu pai falando que estava trazendo um presente especial para o seu aniversário de 14 anos.

Depois de horas esperando, o pai de Ana chegou trazendo um presente enorme para ela e quando desembrulhou era um espelho. O espelho parecia ser bem antigo, a borda era toda trabalhada com folhas de ouro e Ana conseguia se ver todinha nele.

A menina ficou ainda mais encantada quando o seu pai contou que o espelho deveria pertencer a uma princesa ou rainha, e foi achado em um castelo perto de onde eles estavam explorando. Ele achou um desperdício levá-lo para o museu já que ele era um presente perfeito para a sua menina que estava crescendo cada dia mais vaidosa.

O pai ajudou Ana a colocar seu presente em seu quarto e deste dia em diante, ela ficava horas na frente, se embelezando, dançando, cantando, desfilando, até que um dia aconteceu uma coisa estranha. Ela escutou uma voz saindo do espelho:

– Menina tola, chega mais perto e veja como é a sua aparência!

Ana se aproximou mais do espelho e quando se viu nele, ela não gostava mais do seu cabelo, começou a achar ele muito feio, sem graça. Começou a ficar com vergonha por isso, até que um dia resolveu cortar. Quando chegou na frente do espelho achando que tinha resolvido essa situação, ela escutou a voz novamente:

– Menina tola, chega mais perto e veja como é a sua aparência!

Dessa vez ela começou a detestar seu rosto, ficou deprimida, não saia mais de casa sem maquiagem, mudava totalmente o seu rosto e ficava irreconhecível. Mesmo assim ainda continuou escutando uma voz do espelho:

– Menina tola, chega mais perto e veja como é a sua aparência!

A menina mais uma vez dá ouvidos para essa voz, e acha mais um defeito, e agora esse defeito era o seu corpo. Ana passou a detestá-lo mais que seu cabelo, mais que seu rosto.  Tinha tanta vergonha que passou a andar de roupas largas e ficava dias sem comer. Começou a ficar obcecada em ser a mais bonita, ficava se comparando com as amigas, artistas, modelos de revista e começou a perguntar para o espelho:

– Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita que eu?

E o espelho respondia:

– É claro que existe, menina tola, chega mais perto e veja como é sua aparência!

E quanto mais o espelho respondia dessa forma, mais Ana tentava ser perfeita. Nada que ela fazia agradava o espelho, ela se sentia cada vez pior e a voz falando sobre sua aparência nunca parava, até que um dia ela se cansou. Se cansou daquilo que ela estava se tornando, se cansou da voz, se cansou do espelho e resolveu confrontá-lo:

 – Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita que eu?

O espelho respondeu:

– É claro que existe, menina tola, chega mais perto e veja como é sua aparência!

A menina revoltada com o espelho responde:

– QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA FALAR SOBRE A MINHA APARÊNCIA? VOCÊ É SÓ UM ESPELHO!

– Eu sou o objeto que aprisiona o mundo! E você virou escrava da perfeição assim como minha rainha e muitas outras pessoas.

Dizendo isso o espelho mostrou para Ana pessoas obcecadas, fazendo o impossível para serem perfeitos, criando padrões que não existem. Várias pessoas, homens, mulheres, crianças, até um gatinho. Todos eles eram perfeitos, mas definharam. Ele mostrou também a sua rainha, que acabou envenenando uma moça por ela ser mais bonita.

– Agora você entende quem eu sou? Durante séculos eu aprisiono o que todos tem de mais valioso. Eu tomei vários sonhos, vários desejos, tudo que eles têm agora sou EU!

Ana ficou tão assustada que fechou os olhos, ela não queria ser como aquelas pessoas, principalmente como a rainha. Quando finalmente teve coragem para abrir os olhos ela se viu no espelho. Ela entendeu que nunca houve nada de errado com ela, se levantou, pegou a cadeira do seu quarto e quebrou o espelho em mil pedaços para que não sobrasse parte alguma, para ele aprisionar mais alguém.

Depois desse dia Ana decidiu nunca mais confiar em nenhum espelho e principalmente em nenhuma voz que venha deles.


Ilustração: Brendom Rodarte

Escritora: Nathália Santos

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Siwsi

Estava sentada na recepção do hospital há horas esperando notícias da minha avó, sabia que no estado grave em que ela se encontrava não tinha mais o que fazer, mas queria pelo menos ficar um pouco com ela. Vou sentir muita falta da minha velhinha.

Vejo um médico se aproximando e meu coração já dispara:

– Você que é a neta de dona Iracema?

Respondo assustada:

– Sou sim, ela está bem?

– Está sim, ela quer ver você! Ela só fala em você o tempo todo e em como seu nome é importante para ela.

– Ah, meu nome! Já escutei essa história a minha vida inteira.

Respondo acompanhando o médico até o quarto em que minha avó estava internada. Minha avó já não era mais a mesma que eu conhecia, estava tão magrinha, parecia que tinha encolhido e virado uma criança deitada na cama:

– Siwsi! Que felicidade em ver você minha neta! Chega mais perto da sua avó, você está tão linda!

– Meu pai disse que queria me ver! A senhora não vai mesmo voltar para casa?

Faço essa pergunta me aproximando dela com meus olhos cheios de lágrimas. Ela segura firme a minha mão e diz:

– Minha querida neta, minha hora já chegou e estou conformada com isso. Só preciso de um último favor seu para descansar em paz, preciso que você descubra o significado do seu nome!

– Significado do meu nome? Porque a senhora gosta tanto do meu nome? O que ele tem de tão importante?

Ela percebe a minha inquietação e segura mais forte a minha mão:

– É só um pedido minha querida, por favor, me prometa que vai descobrir?

– Sim vó, prometo! Mas onde vou descobrir? Não acho nada do meu nome em lugar nenhum.

– No meu quintal mora uma Arara, vá até lá e pergunte para ela!

Me levanto, me despeço da minha avó e saio do hospital conturbada pensando que ela só pode estar ficando louca em seu estado terminal. Entro no carro e dirijo sem saber se realmente deveria fazer isso, conversar com uma Arara já seria demais, ainda mais porque eu nunca tinha visto uma Arara no quintal da minha avó. Essa história estava muito estranha.

Chegando lá vou direto para o quintal e não vejo nada. Quando penso que minha avó estava realmente ficando doida alguma coisa me chama pelo nome:

– Siwsiiiiii! Swisiiiiii! Swsiiiiiiiii!

Olho para trás e vejo um grande pássaro azul pousado em um galho de uma árvore:

– Meu deus tem uma Arara mesmo aqui!

Ela começa a falar comigo como se fosse um papagaio:

– Arara aqui tem sim! Arara aqui tem sim!

– Qual é o significado do meu nome Arara?

– Brilha no céu! Brilha no céu! Brilha no céu!

– Brilha no céu? O que isso significa Arara? Achei que você ia me dar uma resposta completa!

A Arara continuou repetindo “brilha no céu” por um bom tempo. De repente ela começou a gritar mais alto e mais rápido e então olhei para o céu, nem tinha percebido que já era noite. Finalmente veio uma ideia na minha cabeça e acabei dizendo:

-ESTRELA! É ISSO QUE MEU NOME SIGNIFICA!

Quando eu disse isso começou a ventar muito forte e surgiu uma grande estrela no céu. Fiquei maravilhada, era a coisa mais linda que eu já tinha visto. Agradeci a Arara e sai correndo para o hospital. Chegando no quarto da minha avó me deparo com o médico desligando seus aparelhos:

– Sinto muito, ela não conseguiu mais ficar acordada por muito tempo, mas deixou esse bilhete para você.

Pego o bilhete e começo a ler me debulhando em lágrimas:

“Meus ancestrais diziam que se houver uma ligação forte o suficiente entre uma avó e uma neta, basta elas saberem o verdadeiro significado do nome da neta para que, no seu momento final, a avó se torne aquilo que deveria ser depois desta vida.

 Obrigada por me transformar em uma estrela. Sempre cuidarei de você aqui do céu minha indiazinha.”

Saio correndo para fora do hospital e vejo a estrela lá no céu brilhando lindamente, era a minha avó, olhando para mim aqui na terra. Entro no carro e volto para casa feliz, porque agora sei que sempre estaremos juntas, basta olhar para o céu.


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A Verdadeira História do Natal

– Já são quase meia noite! Já são quase meia noite!

James estava parado em frente ao grande relógio da sua sala torcendo para chegar a meia noite. Finalmente poderia ver o Papai Noel entregar os seus presentes.

– Filho! Está na hora de ir dormir!

– Eu não quero dormir mãe! Este ano eu quero esperar os meus presentes!

– Você sabe que crianças desobedientes não ganham presentes, né? Vai dormir agora James!

Ele sobe as escadas revoltado com a atitude da mãe, deita-se em sua cama e finge que está dormindo. Quando a casa finalmente fica toda silenciosa James pega sua lanterna, desce as escadas e fica escondido atrás da árvore de natal. Perto da chaminé, ao lado do grande relógio na sala.

Assim que bateram as badalas da meia noite ele escutou um barulho vindo da chaminé. Parecia alguma coisa se mexendo, como se fosse um ratinho correndo, mas ele olhou para dentro da chaminé e havia um duende vestido com umas roupas vermelhas. Quando saiu da chaminé a criatura se transformou no papai Noel;

– SANTO PIRULITINHO! O PAPAI NOEL EXISTE MESMO!

James não conseguiu conter sua empolgação e saiu de detrás da árvore. Foi correndo abraçar o papai Noel:

– Você existe, você existe! E é igual nas histórias, velhinho, gordinho e fofinho! E ainda trouxe os meus presentes, já posso abrir?

– Ainda não minha criança! Primeiro preciso saber se você foi um bom menino.

– É claro que eu fui! Eu sou sempre um bom menino, nunca desobedeci meus pais, nunca fiz nada escondido, nunca contei mentiras…

Enquanto James tagarelava sem parar, o Papai Noel pegou um fio do seu cabelo, colocou na boca e começou a mastigar. De repente ele começa a se transformar em uma coisa medonha, começou a crescer, praticamente dobrou de tamanho. Seu gorro se solta de sua cabeça enorme. Seu cabelo e sua barba se enrolaram e formaram um par de chifres. Sua pele começou a ficar verde e enrugada. A bolinha da ponta do gorro bate no chão e James finalmente se dá conta de que aquilo na sua frente não era mais o Papai Noel. Ele grita por socorro, assustado, e saí correndo pela casa;

-SOCORRO!!!! MÃE PAI!!!! ME AJUDA!!!!!!

– Ninguém vai ajudar criança! Você foi um mau menino, por isso estou desta forma, agora você é meu!

O Papai Noel pega James e o coloca dentro do saco de presentes. O monstro amarra a boca do saco e James não é capaz de enxergar nada lá dentro. Ele se debate e esbarra em várias coisas. Escuta alguns gemidos, como se estivessem reclamando de ter batido neles. James grita:

– Me tira daqui seu monstro! Para onde está me levando? E quem pediu tantos bonecos de presente?

O menino sente que o saco foi levantado e o monstro o estava carregando. Depois de horas dentro do saco, o monstro finalmente começa a balançá-lo e jogar tudo para fora. James cai assustado, seus olhos que haviam se acostumado à escuridão ficam ofuscados com tanta luz. Ele observa ao redor e nota que todos aqueles bonecos eram na verdade crianças, e eles haviam sido jogados no chão de uma fábrica de brinquedos. No lugar já haviam mais crianças e elas estavam trabalhando.

– Ho Ho Ho! Sejam bem-vindas crianças, aqui agora é o seu lar! Nunca mais poderão ver os seus pais! Já que são más crianças, que comecem a trabalhar!

O papai Noel não era mais um demônio e mesmo assim começou a chicotear as crianças, fazendo elas trabalharem. James ficou em choque pensando que todas as histórias que ele conhecia sobre o Natal eram mentiras e que talvez esta seja a verdadeira e se arrependeu de ser uma criança má. O papai Noel grita:

– Onde está o último menino?

Todas as outras crianças apontam na direção de James. Ele então percebe que todas elas tinham a boca costurada, era por isso que não falaram nada quando ele caiu em cima delas no saco.

– Ho Ho Ho! Aí está você! Não tivemos tempo na sua casa, está na hora de terminar o meu serviço.


Gostaria de dedicar esse conto para meu namorado Thiago Fernandes pelo incentivo em criar minhas histórias e a paciência para ler e corrigir todas, obrigada meu editor. Para minha irmã que iniciou o blog comigo, Brendom Rodarte que continuo com essas ilustrações maravilhosas aceitando minhas ideias malucas de conto, ao Dimitri Vieira com seu curso incrível de ”Escrita Criativa e Storytelling” que me fez reconhecer como escritora, conheci pessoas inspiradoras com a criação da comunidade do curso e ainda me incentivou a ter meu próprio blog.

Para Eduardo Lopes e Vanessa Cioffi que não me deixaram desistir quando comecei a publicar os contos e estava com dúvidas se deveria continuar. Tenho que agradecer muito Giselli Serra e minhas amigas da faculdade Tatiane Machado e Bruna Luiza que não perdem um conto e o Erivaldo Carneiro que sempre compartilha minhas histórias. Ao carinho e aprendizado de sempre do Thiago Dalleck, Maicon Moura, Marinella Souza, Mario Mello, Esdras Pereira, Nilce Alves e Thayanne Lima, obrigada por tudo.

Não poderia deixar de agradecer você leitor por chegar até aqui comigo, agradeço muito por acompanhar meu trabalho. Vocês estão realizando meu sonho de ser uma ”contadora de histórias”.

Obrigada a todos vocês!


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Destinados a se encontrar

Estamos fugindo pela floresta há horas a procura de um local seguro para esconder minha mulher e o bebê que estava por vir. Olho para trás e percebo que Megan está no chão gritando de dor por causa das contrações:

–  Megan! Temos que andar mais depressa, se não eles vão acabar nos alcançando.

Tento ajudá-la a se levantar e ela responde chorando de dor:

– Eu não consigo andar por muito tempo mais, vou acabar ganhando essa criança!

– No meio da floresta não podemos ter essa criança, é muito perigoso e fácil demais para nos descobrirem!

Ela se levanta com muita dificuldade e começamos a caminhar. Por sorte, avisto um celeiro logo à nossa frente.

-Vamos nos esconder lá dentro Megan! Ninguém nunca irá desconfiar, poderemos ter o nosso filho em paz.

Ela não conseguia mais responder, estava muito fraca, só sinalizava com a cabeça concordando. A levo bem depressa para dentro do celeiro e a coloco deitada no chão bem delicadamente, corro para fechar porta e começo a ajudá-la a ter nosso filho:

-Megan meu amor, você vai ter que ser forte agora, faça força!

Ela segura a minha mão e grita de dor fazendo toda a força possível:

– Agora respira! Isso meu amor! Agora vamos, faça força mais uma vez!

Megan continua fazendo força e nada acontece, até que ela começa a olhar para a barriga e gritar desesperada:

– ELE ESTÁ ME COMENTO POR DENTRO! ESTÁ ABRINDO MINHA BARRIGA! SOCORRO!!!

Rasgo o seu vestido e vejo que a sua barriga está se mexendo como se alguma coisa quisesse sair. Fico paralisado sem saber o que fazer, Megan gritando enlouquecida de dor. A coisa realmente começou a sair, rasgando sua barriga ao meio. Percebo que Megan está morrendo:

-Meu amor por favor não me deixe, não sabia que isso poderia acontecer! Me desculpa!

Beijo sua testa e vejo que Megan já está morta. Quando olho para sua barriga, que já estava toda aberta, nasceu uma coisa que nem em outro planeta seria um bebê. Era pequeno, parecia um filhote de gato misturado com morcego, tinha pelos pelo corpo, asas bem pequenas e pequenos chifres na cabeça.

Ele olha para mim e sorri dizendo:

-PAPAI! – Esticando os bracinhos para ser carregado.

Saio de perto gritando desesperado, até que a porta do celeiro se abre, entrando meu pai, o rei do inferno e seu exército de demônios:

– Até que enfim eu achei você meu filho! Pensou que ia conseguir fugir por quanto tempo? Vejo que o meu neto já nasceu.

A coisa estica os bracinhos e meu pai o carrega fazendo cosquinhas em sua barriga.

Respondo indignando:

– Essa criatura não é meu filho!

Meu pai e a coisa começam a gargalhar e ele responde:

– É claro que é! Você acha que uma mistura de um demônio e uma humana daria em quê? Uma linda criancinha?

 Ele fala isso olhando para seu exército e todos morrem de rir.

– Vocês foram condenados meu filho, isso nunca poderia acontecer. Você é um demônio ou já se esqueceu disso Belial?

Respondo olhando para o corpo de Megan destroçado ao chão:

– Eu me esqueci no dia que a conheci, eu a amei tanto, tentei escondê-la de você, porque você nunca aceitaria o nosso amor.

Meu pai começa a gargalhar novamente:

–          Meu filho, eu sempre aceitei. Tudo o que fazia é parte da profecia:

“Um filho fugirá de casa e encontrará o amor da sua vida. O filho das trevas nascerá na terra da mesma forma que o filho da luz.”

Pode se orgulhar, você fez tudo o que o seu pai mais queria.

Fico horrorizado e respondo:

– Você me usou? Me deixou ir para a terra de propósito?

Ele me puxa pelo ombro e fala todo animado:

-Para de se lamentar meu filho, vamos para casa comemorar! QUE COMEÇE O FIM DOS TEMPOS!

Seu exército responde:

– VIVA O FILHO DAS TREVAS!


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Abstinência

Não aguentava mais sentir essa inquietação, ansiedade, desorientação, alucinação e náuseas porque não conseguia mais manter meu vício.  Tudo o que eu tinha já vendi, moro em um apartamento com minha esposa e um amigo, sem nada.  Achamos melhor dormir no chão, ficar sem comer e vestir porque qualquer coisa que a gente conseguir é melhor satisfazer o vício.

Estamos mais doentes a cada dia, não aguento mais ficar um dia sem, não aguento mais ficar nesse mundo sem isso, precisamos dar um jeito. Respirei fundo, tomei atitude e disse à minha esposa e amigo:

– Vamos gente! Levantem! Vamos sair desse apartamento e dar um jeito de obter o que é nosso!

Minha esposa bem fraca responde:

– Como? Não temos mais grana nem o que vender, não sei mais o que podemos fazer!

Meu amigo retruca:

– Você está pensando em fazer o que, Lucca? Eu topo qualquer ideia, não aguento mais viver desse jeito, só com vontade.

-Vamos invadir aquele lugar, tomar para gente e usar da forma que a gente quiser! Estão comigo Lara e Roger?

Roger se levanta dizendo que sim, mas Lara ainda questiona:

-Como você está pensando em fazer isso? Vamos só chegar lá e invadir?

– Por que não? Gente! Acorda! Estamos esquecendo que quem toma conta é um velhote! Fomos burros demais em gastar tudo, já devíamos ter feito isso a muito tempo.

– Não é que você tem razão! Estamos aqui sofrendo à toa – Lara disse concordando.

– Então vamos pessoal!

Assim que eu disse isso, Lara e Roger se levantaram e começaram a me seguir bem empolgados, esquecendo até das dores e todo o resto que estávamos sentindo, prontos para realizar o nosso novo objetivo e satisfazer nosso vício.

Chegando ao local já fomos entrando na loja, quebrando os vidros e jogando coisas no chão, colocando medo no velho e mostrando que era a gente quem mandava no lugar agora. Prendemos ele em um quartinho nos fundos, pegamos um papel, escrevemos “aberto” e colocamos na porta do Fliperama.

Não demorou muito para aparecerem pessoas como a gente, loucas por esses jogos. Aqui era o único lugar que ainda existiam jogos assim em 2030, esse velho roubava o nosso dinheiro todo cobrando um absurdo por cada partida. Agora é tudo nosso, e vamos deixar livre para quem quiser jogar, na hora que quiser jogar.

Depois de um tempo jogando, olho para minha esposa e meu amigo e vejo o quanto eles estão felizes e satisfeitos, depois de várias partidas de Mortal Kombat, eu já não aguentava mais jogar Pac-Man. Percebemos que estávamos curados, nem precisávamos mais jogar.

Acho que no final, era tudo culpa do velho. Ele que ofereceu para milhares de jovens a oportunidade de jogar esses jogos, manipulando e incentivando para que todos ficassem viciados, cobrando cada dia mais caro uma nova partida.

Resolvo ir ao quartinho e perguntar para ele o porquê disso tudo:

– Seu velho de merda! Por que estava manipulando a gente? Você percebeu quantas vidas você estragou?

O velho responde sendo sarcástico:

– Sim! A culpa não é minha por vocês serem tão influenciáveis, este é só o meu trabalho.

Nem consigo responder, fecho a porta do quarto, chamo minha esposa e meu amigo para ir embora e aviso para todos que o velho está no quartinho dos fundos. Não precisamos mais de pessoas assim nesse mundo, mas que o povo faça a sua justiça.


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Eu Acredito em Fadas

Era uma vez um menininho que chamava João, ele morava com sua avó Matilde, uma velinha simpática que tinha uma loja de flores perto de uma floresta, longe da cidade. João cresceu escutando histórias da sua avó que suas flores eram cuidadas por fadas, mas ele nunca acreditou.

Até que um dia, ele estava sentado no fundo da loja da sua avó e percebeu um inseto estranho voando pelas flores. Era muito pequeno, do tamanho de mosquito, mas não parecia um mosquito, e ao invés de zunir, João escutou um canto:

Se não acredita em fadas,

Acredita em confusão

Irrite uma fadinha,

ELAS ADORAM MORDER UM DEDÃO”

João foi se aproximando devagarinho, e quando chegou bem perto, segurou o inseto estranho na mão, quando viu que não era um inseto, era uma pessoa bem pequenininha:

– Será que isso é uma fada?

 O inseto voou e travou o dente no seu dedão e depois disse:

– É claro que sou uma fada! E se não acredita, então eu vou morder seu dedão!

Ele pega um copo correndo e prende a fada dentro dizendo:

– Como você pode ser uma fada? Eu nunca pensei que fadas fossem assim tão feias!

A fada fica muito brava e tenta quebrar o copo para sair, mas ela era tão pequena que o objeto nem se mexia do lugar. E tadinha, a fada era mesmo uma coisinha muito feia, até parecia uma pessoa, mas seus olhos eram muito grandes como os de uma mosca e com asas também, seu corpo era cabeludo igual uma tarântula.

– Olha aqui, seu menino mimado! Feia é sua avó! Eu sou uma fada sim e se não acredita, já disse o que vou fazer!

-Então se você é uma fada, onde está sua varinha?

– Olha menino chato, pelo jeito você lê contos de fadas demais, não é? Eu não preciso de varinha, minha magia está nas flores. É por isso que eu vivo aqui!

João retruca a fada novamente:

– Eu não acredito nisso! Então vou soltar você, quero ver essa magia.

Ele solta a fada do vidro e ela já vai direto morder o seu dedão:

– Ficou doida! O que eu disse agora?

Ela responde muito brava:

– VOCÊ DISSE NOVAMENTE QUE NÃO ACREDITAVA! PARA COM ISSO! VOCÊ VAI SE ARREPENDER!

– Eu vou me arrepender? O que você vai fazer? Você é essa coisinha feia e minúscula, não vai conseguir fazer nada além de dar umas mordidas no meu dedão.

A fada dá seu último aviso para João, que não queria mesmo acreditar.

– Eu estou avisando, menino! Sou uma fada e não preciso provar nada para ninguém.

João volta a repetir:

– Eu não acredito!

A fada voa e agarra o dedão do João mais uma vez, só que dessa vez ele não sentiu só dor. Começou a sentir seu corpo mudando, ele estava crescendo, de uma forma desproporcional, seu corpo agora estava com pelos e acabou virando um gigante horrendo.

– O QUE VOCÊ FEZ COMIGO? PORQUE ME TRANSFORMOU EM UM GIGANTE?

Ela responde agora mais calma:

– Você não é um gigante, agora você é um troll! Eu avisei para você acreditar em mim, é isso que acontece se você não acredita em uma fada. Toda vez que você fala que não acredita, nosso corpo instintivamente é guiado para morder seu dedão, e depois de três mordidas você é amaldiçoado para ser uma criatura mágica. Você deu o azar de a sua ser um troll.

João começa a chorar desesperado:

– E agora fada? Como vou para casa? Como vou viver desse jeito?

A fada respondeu com muita delicadeza:

– Agora você é um ser magico assim como eu. Sei como é difícil alguém acreditar, por isso, de agora em diante, você vai para floresta e quem irá cuidar de você sou eu.

O menino inconformado e sem saber o que fazer, acaba concordando com a fada e a segue pelos fundos da loja em direção a floresta:

– E agora João, você acredita em fadas?

– Acredito!

Disse João agora tão rápido que nem pensou para responder.


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OS Esquecidos

Estou preso aqui há mais de 20 anos e nunca me deparei com essa prisão tão quieta. Não vejo mais os guardas, carcereiros, faxineiros ou visitantes. O pessoal da limpeza só pode ter sido demitido pois o cheiro das celas já está insuportável. Não abrem mais as celas para levar a gente para comer, não consigo sentir nem o cheiro da comida, acho que nem os cozinheiros estão mais aqui.

Parece que fomos abandonados e o motivo ninguém sabe. Os dias foram se passando, a fome estava apertando. Escutava meu colega de cela gritando por socorro, tentando quebrar a porta para sair, os outros presos fazendo a mesma coisa e nada de aparecer alguém para ajudar.

Até que um dia, na madrugada, escutei um barulho. Acordei com milhares de presos correndo livres pelos corredores, meu amigo de cela, Wilson, parado me esperando:

– Acorda Michael!! Vamos lá ver o que está acontecendo?

Levanto apressado e o único lugar que eu penso em ir é direto para cozinha. Chegando lá vejo os presos revoltados, não tinha comida! Levaram tudo embora. Eu fico horrorizado e começo a me sentir mal, estava muito sonolento por causa da falta de comida e acabo me encostando em um canto da cozinha, quando Wilson se aproxima e diz:

– Vamos sair daqui! Isso aqui vai virar uma bagunça, eles estão com muita raiva, vai acabar um descontando no outro.

Concordo com Wilson e me levanto para acompanhá-lo. Começo a seguir ele e percebo que estamos indo na direção oposta da saída, acabamos parando na sala de segurança.

-Vamos procurar alguma coisa aqui Michael! Quem sabe a gente consegue saber o que está acontecendo?

Começamos a revirar a sala e depois de muito tempo achamos vários jornais com notícias dizendo que um vírus estava se espalhando e matando pessoas no mundo, várias cidades foram abandonadas e o pior de tudo, o governo iria lançar um decreto para que as prisões fossem deixadas de lado, porque não tinha recursos para cuidar ou transportar os presos caso acontecesse alguma coisa.

– ENTÃO FOMOS DEIXADOS PARA MORRER!

Falo isso para ele, gastando todas as forças que eu ainda tinha, e começo a ficar sonolento outra vez. Acabo apagando ali mesmo.

Quando eu acordo, ainda estou na sala de segurança, e vejo que Wilson está assustado e coberto de sangue:

– O que está acontecendo? Quanto tempo eu dormi?

– Você dormiu por uns dias Michael, mas não sei mais a contagem dos dias, a prisão está uma loucura, eu estou ficando louco, eu precisava comer, Michael! Uma hora você vai ter que comer também!

Eu tento responder, mas apago novamente.

Acordo dessa vez com Wilson me chamando, vejo que ele está coberto de sangue até a cabeça, olho para o chão e só tem sangue. Ele enfia um pedaço de carne na minha boca;

– Você precisa comer Michael! Vai acabar morrendo!

Começo a comer aquela carne sem nem ao menos saber de onde veio, quando eu já estava bem cheio começo a apagar novamente, meu corpo já não estava mais acostumado com tanta comida e a última coisa que eu me lembro é ter visto era algo no chão que parecia muito ser um braço humano.

Dessa vez eu acordo sozinho, mas me sentindo melhor, e percebo que estou todo coberto de sangue, olho para o lado e vejo uma pilha de pedaços de corpos. Começo a tremer, e uma chuva de lembranças surge em minha cabeça. Wilson matando pessoas, eu atacando pessoas, dilacerando pessoas para comer. Começo a ficar desesperado, será que eu nunca apaguei? Sempre estive aqui? Há quanto tempo já estou fazendo isso?

Saio correndo desesperado da sala de segurança e acabo encontrando um outro preso no corredor, que me agarra e me prende pelo pescoço contra a parede. Vejo que ele estava tão desesperado quanto eu;

– O que está acontecendo? – Pergunto com a voz rouca, estava com dificuldade para falar.

Ele responde:

– Olha se não é o famoso Michael, “o esquartejador”. Agora todos somos iguais aqui, um ano sem comida, viramos animais!

– Onde está o meu colega de cela?

– Colega? – o preso começa a gargalhar. – Você está há 20 anos na solitária! Será que o grande Michael tem um amiguinho imaginário?

Fico paralisado. Me recordo de tudo, desde o dia que fui preso. Até que os 20 anos não tinham sido tão ruins com a companhia do Wilson, mas era tudo na minha cabeça. O preso interrompe meu devaneio, a sua expressão agora aterrorizante, parecia um predador:

– A única coisa que eu quero é sobreviver e só tem um jeito, você sabe como? Comendo para não morrer de fome!

Apaguei novamente, dessa vez por falta de ar. Acordei com uma dor insuportável na minha coxa esquerda. Percebi que ele estava me comendo aos poucos, mas me mantendo vivo para a carne durar mais tempo. Os próximos dias seriam mais longos para mim do que os últimos 20 anos.


Ilustrador: Brendom Rodarte

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O artista do ano

Querido leitor,

Você acaba de ser premiado! Está prestes a ler a história mais incrível da sua vida!

Meu nome é Henry Longbottom e gostaria de contar para vocês uma história. Primeiramente você sabia que existe uma sociedade de artistas que atua no mundo inteiro? Buscamos recriar o “Renascimento” na sociedade moderna. Temos conosco os melhores artistas do mundo, e em cada lugar vocês nos dão um nome, pois estamos sempre envolvidos nos eventos mais polêmicos do mundo.

Os encontros da sociedade acontecem de cinco em cinco meses, em diversos locais, é claro! Não queremos que nos encontrem assim tão fácil, mas sempre deixamos uma pequena pista no final, para saberem que dessa vez o evento aconteceu ali.

Ficamos orgulhosos quando as nossas criações viram notícia e vocês criam até nomes para nós, de acordo com o nosso padrão. É como se cada nova obra fosse parte de uma exibição, mas vocês realmente acham que aquele nome define o nosso trabalho? Isso só faz com que nos sintamos muito importantes e com vontade de a cada dia mostrar mais o nosso trabalho. Na verdade, vocês não sabem de nada.

Voltando para o assunto, estava só introduzindo vocês ao nosso mundo, a história que quero contar é sobre como eu tentei me tornar o artista do ano dessa vez. Todo ano escolhemos alguém para esse prêmio, com direito a um baile e um banquete esplêndido. O título é entregue para quem fizer o melhor trabalho durante o ano, o mais inovador, o mais criativo.

Eu nunca consegui ganhar esse prêmio, confesso que minhas técnicas estão bem ultrapassadas e não sou nada criativo. Então, depois de muitos anos tentando e nunca saindo do lugar, esse ano resolvi fazer uma coisa diferente: Primeiro, no dia da votação, convidei o jurado principal do evento para um almoço na minha casa. Era apenas um evento para nós dois, mas ainda assim preparei uma refeição digna dos deuses. Depois de vários pratos, finalmente servi a sobremesa, o meu bolo de frutas vermelhas, e deixei para servir na sua frente a minha calda especial de chocolate. O meu ingrediente especial é um sonífero que faz o privilegiado convidado dormir em apenas 3 segundos. Assim que ele dormiu o levei para o freezer, onde aguardaria até o “grand finale”.

Peguei o seu celular e mandei uma mensagem para a alta cúpula da sociedade, dizendo que a comida do jantar principal do evento de seleção deste ano seria feita pelo Henry Longbotton, (eu, no caso) e que tinha decidido isso de última hora. O cozinheiro do prato principal era sempre alguém escolhido entre os membros.

Então comecei a trabalhar na minha obra derradeira. Pendurei o corpo do jurado em um gancho no meu abatedouro e com uma faca bem afiada fiz um corte sobre os ossos da coluna, aos poucos fui cortando as carnes que estavam perto dos ossos, tirando a pele e os outros órgãos, deixando apenas as melhores partes para fazer um belo “Steak tartare”.

Chegando no evento, na hora do jantar, servi a todos dizendo que era uma receita de família, os pratos estavam magníficos. Fiz questão que todos comessem antes de se iniciar a votação para o artista do ano. Recebi vários elogios (era isso que eu esperava) e me pediram até a receita, mas disse que ainda não podia contar o segredo do prato. Logo antes de se iniciar a votação, subi ao palco e contei o meu feito:

– O que acharam do prato principal desta noite? Este é o meu prato especial, com carne fresca do Sr. Lestrange.

Achei que isso já ia me fazer levar o troféu do ano para casa, mas todos começaram a gritar e me xingar dizendo que só o que eu fiz foi copiar o maior artista de todos os tempos, Hannibal Lecter, e disseram que a partir deste momento estava expulso da sociedade. Para piorar, deixaram o que sobrou do prato de pista para polícia, isso causou um tumulto enorme. Não demorou um dia para começarem as notícias de que Hannibal estava de volta.

E é por isso que estou escrevendo esta carta e contando essa história, para você aí que a encontrar, dizer para o mundo que não foi o Hannibal dessa vez quem fez o jantar! Hannibal está morto! Dessa vez foi Henry Longbottom! Agora este é o MEU ESTILO.

Atenciosamente,

Henry


Ilustrador : Brendom Rodarte

Escritora: Nathália Santos

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Do que você tem medo?

Acordo assustado escutando passos pela casa, olho no relógio e já são 7 horas, está na hora de ir trabalhar. Primeiro me levanto e revisto a casa para ver se tem alguém, não encontro nada, deve ter sido um sonho.

Arrumo para ir ao trabalhar e vejo que meu celular tem 50 mensagens de um número estranho, desbloqueio para ler as mensagens, todas estavam escritas “Do que você tem medo? ’’ Acho muito estranho, mas penso:

-Deve ser algum trote.

Pego meu paletó e a chave do carro, desço para garagem e vejo uma pichação enorme na parede escrito novamente “Do que você tem medo? ”

-Alguém entrou na minha casa!

Fico desesperado, revisto a casa novamente e não encontro nada, penso em chamar a polícia:

– Não posso fazer isso e se eles descobrirem tudo?

Resolvo então ficar em casa. Pego meu computador para mandar um e-mail para o meu chefe, mentindo dizendo que vou ficar em casa porque não estou bem. Assim que entro na minha caixa de e-mail, vejo que tem mais de 100 mensagens de algum remetente desconhecido, todos os e-mails estavam escritos “Do que você tem medo? ”.

Nessa mesma hora meu telefone começa a tocar, atendo no automático sem olhar quem era de tão aterrorizado que eu estava. Uma voz muito familiar sussurra para mim no telefone:

– Do que você tem medo? Saudades de mim meu amor?

Reconheço a voz imediatamente, era a minha esposa morta. Começo a tremer, não é possível! Como ela está viva? Eu mesmo a matei e enterrei no bosque para ninguém saber! Respondo ofegante:

– Quem é você? Isso não é engraçado!

Ela responde gargalhando do outro lado da linha:

– Sou eu sua esposa morta e estou bem atrás de você!

– BU! (esse som não veio do telefone)

Largo o telefone assustado e quando me viro, lá está ela do mesmo jeito que a deixei no bosque, com seu vestido de noiva. Ela sorri e pergunta:

– Está Feliz em me ver? Está feliz gastando o dinheiro que roubou de mim?

Respondo assustado:

– Como isso é possível? Matei você a 5 anos atrás! Deixei você morta naquele bosque assim que a gente se casou!

Ela responde com muita raiva:

– E fugiu com toda minha herança!  Me enganou dizendo que me amava, íamos fugir juntos, ser felizes!

Respondo tremendo:

– Eu nunca gostei de você! Eu só queria o seu dinheiro! Agora o que você quer de mim? Me deixe em paz!

Ela responde sorrindo:

– Eu nunca mais vou deixar você em paz até sofrer o quanto eu sofri!

Suplico:

– Faço o que você quiser! Só me deixe em paz!

– Então se mate! – Ela disse jogando uma corda no chão

Estava tão aterrorizado que nem percebi que o tempo todo ela estava segurando a corda que eu usei para amarrá-la;

– É a corda que usei para amarrar você, asfixiar depois e enterrar- falo quase sussurrando.

– Sim! Agora é sua vez! Quero que você prenda essa corda no lustre e se enforque! – Ela disse com muita raiva novamente.

Eu fiquei com tanto medo, que não consegui fazer mais nada, peguei a corda, puxei a cadeira prendi no lustre e ela começou a gargalhar muito, fiquei paralisado por um momento até que enfim me joguei da cadeira, me entregando. Caí direto no chão, o lustre havia sido desparafusado.

– Foi mais fácil do que eu pensei – Ela disse se aproximando – Estou viva! Não percebeu? Consegui sobreviver seu covarde! Guardei esse vestido do mesmo jeito para me vingar, agora desça daí e a partir de hoje vai fazer tudo que eu mandar, porque agora já sabe “do que você tem medo”, não é?

– Eu tenho muito medo de você! – Respondo em choque desejando estar morto esse dia

– E eu adorei descobrir isso.


Ilustrador: Brendom Rodarte

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O Fio de Ariadne

– Já chegamos mãe?

– Falta só alguns minutos! Disse minha mãe já estressada comigo por tanto perguntar.

Ela sabia que eu detestava viagens longas, não era uma criança muito paciente, ainda mais sabendo que estamos de mudança. Não queria abandonar minha cidade e minha escola, mas meus pais se separaram, então minha mãe resolveu começar a vida de novo em uma casa velha, isolada, que recebeu de herança da “vó bisa”.

– Chegamos filha! – Minha mãe falou isso com muita empolgação enquanto estacionava o carro.

Não era uma casa velha como eu tinha imaginado, era uma mansão. Mas bem velha, com um jardim enorme, cheio de estátuas antigas de pessoas que não conheço, uma fonte no centro e um labirinto ao lado. Era tudo muito estranho, mas eu gostei, só não queria deixar minha mãe saber disso.

– Isso aqui parece cena de filme de terror- disse só para irritar a minha mãe.

– Como você sabe o que é cena de filme de terror? Ariel, eu já mandei você parar de assistir essas coisas, você só tem oito anos!

Pego minha mochila, saio correndo para dentro da casa deixando minha mãe conversando sozinha. Quando eu entrei fiquei maravilhada, era tudo muito velho, mas muito bonito, as paredes desenhadas com letras diferentes e mais estátuas. Parecia a igreja lá da minha cidade, com os vários altares pelo caminho, mas não conhecia nenhum desses Santos.

Minha mãe entra afobada com as mãos cheias de caixas.

– Ariel! Estou chamando para ajudar, não escutou? Temos muitas caixas para tirar do carro, vai lá buscar as menores enquanto eu vou organizando essas aqui. O jardineiro da sua bisa está aqui para ajudar.

– Já vou mãe!

Acabou toda minha empolgação com esse lugar quando eu lembrei das mudanças. Vou até o carro pegar as caixas e vejo um homem parado na porta do labirinto, enrolado em um pano branco. Ele sorriu e fez um gesto me chamando, acho que deve ser o jardineiro e vou até ele.

– Olá! Você deve ser o jardineiro, acabamos de nos mudar, pode ajudar a gente?

Ele sorri e responde:

– Não criança, eu perdi uma coisa ali dentro e não consigo buscar

Ele aponta para o labirinto. Pergunto:

-Quem é você então?

-Criança eu preciso muito da sua ajuda, perdi a única coisa que eu tenho de lembrança da mulher que eu amo, você pode me ajudar?

– O que você perdeu? E porque não vai lá buscar?

Com a voz bem calma, ele se ajoelha para ficar do meu tamanho e responde:

– Eu perdi um fio, esse fio é a única coisa que pode trazer qualquer pessoa de volta desse labirinto, foi um presente da minha amada. Mas nesse labirinto existe um monstro e se eu entrar lá ele vai me reconhecer e vai me atacar. Se você for, ele não vai fazer nada.

– E por que eu faria isso?

– Vai ser uma aventura, você já entrou em um labirinto antes?

– Mas e o monstro, como tem certeza de que ele não vai me atacar?

-Pode confiar em mim, eu já irritei esse monstro demais de tanto entrar nesse labirinto, foi assim que perdi o fio da última vez.

– E por que você fica fazendo isso, não tem mais nada pra fazer?

– Quando você vive muitos anos, acaba fazendo besteiras. Vai me ajudar?

Não entendi o que ele quis dizer com isso e respondo:

– Mas… O que eu vou ganhar com isso?

– Pode ficar com o fio para você.

Ele não parecia mais tão calmo, mas continuava ajoelhado fitando o meu rosto.

– Então eu vou!

Respondo sorrindo, olhando para o seu rosto que parece ser bem familiar e caminho para o labirinto.

Lá dentro percebo que é bem diferente do que eu imaginava, por fora são muros de folhas e por dentro na verdade são de pedras, parecia que eu estava em outro lugar. Caminhei durante muito tempo e nada de achar esse fio, até que me deparei com o monstro dormindo no chão.

Fiquei horrorizada, ele era muito feio, tinha chifres e sua cabeça parecia com a de um touro, seu corpo parecia de um homem normal, e tinha rabo de touro também!!!! E tinha uma bola de lã na frente dele

– Será que isso é o tal fio? Não sei se valeu a pena ter entrado aqui só por isso.

Vou andando bem devagar para não acordar o monstro, acabo tropeçando em uma pedra e caindo. O monstro se levantou, parecia estar muito bravo e pronto para me atacar, mas quando viu quem eu sou, ele ficou parado me observando. A bola de lã começa rolar e eu saio correndo atrás dela. O monstro parecia desapontado e se deitou novamente. 

– Acho que eu não era o que ele estava esperando. Será que ele não come crianças?

A bola deixava um rastro bem fácil de seguir, parece que queria ser seguida. E de repente eu já estava na saída do labirinto e homem estava me esperando. O fio tinha acabado exatamente onde o labirinto acabava

-Esse só pode ser o fio!!

Ele sorri para mim, vou me aproximando e reparo que ele parece muito com uma das estatuas da casa. Vou enrolando o fio e falo:

– Está aqui seu fio, vai mesmo dar para mim? Não era a única coisa que tinha da sua amada?

Ele se ajoelha novamente e disse:

– Era sim, mas para você é mais importante, Ariel, descendente de Ariadne.

O homem se levanta e sai caminhando. Fico assustada por ele saber meu nome, e o que ele quis dizer com isso? Grito:

– PERAI! COMO VOCE SABE MEU NOME? QUEM É VOCE?

Ele grita respondendo:

– EU SOU TESEU!

E desapareceu bem na minha frente.

Fico assustada, não por ele desaparecer, e sim por perceber que eu conheço esse homem e esse nome de algum lugar, mas onde será que eu já vi esse moço?


Ilustração: Brendom Rodarte

Escritora: Nathália Santos

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