Estava andando apressado pela avenida, a mais movimentada da cidade. Não sei até agora o que se passou na cabeça do meu pai, ele queria que eu o buscasse lá, justamente naquele local, na praça que ficava do outro lado da rua daquele maldito hospital.
Não costumava andar por esses lados há anos, deve ser o mesmo tempo também que não vejo o meu pai. Depois que a minha mãe faleceu naquele hospital, eu saí de casa para estudar e nunca mais voltei. Meu pai não era uma pessoa agradável para se conviver por isso raramente mantínhamos contato por celular.
Por isso me assustei com sua ligação dizendo que queria me ver e precisava de alguém para buscá-lo na praça. E aqui estou eu, acabei deixando meu carro em uma rua distante porque não sabia mais onde parar. Não conhecia mais essa região, onde eu moro agora é um bairro nobre e lá eu tenho de tudo.
Estava caminhando em direção à praça na procura do meu pai quando o avistei do outro lado da rua. Era um senhor com a aparência que eu me lembrava, mas muito mais velho. Comecei a atravessar a rua, em sua direção. Percebi um vulto pelo canto do olho e uma escuridão tomou conta de mim. Não me lembro de mais nada, só que acordei novamente na rua distante perto de uma igreja, dentro do meu carro, com a mesma roupa que saí no dia em que fui encontrar meu pai. Saio do carro assustado e meu telefone começa a tocar:
– Filho? Onde você está? Estou aqui na praça esperando por você
Eu fico paralisado quando escuto essas palavras, meu pai tornou a repetir:
– Filho, está aí?
– Estou pai! O que está acontecendo? Eu ainda não busquei você?
– Ainda estou te esperando, está tudo bem? Preciso muito de você!
– Estou chegando pai!
Saí correndo em direção à praça e quando cheguei ao hospital avistei meu pai. Ele estava no mesmo lugar, mas não tinha reparado o quanto ele estava magro e com umas roupas muito velhas. Continuei correndo em sua direção e de repente ouvi vários barulhos ao mesmo tempo (uma buzina se aproximando, gente gritando, um carro freando) e ficou tudo escuro novamente.
De repente estava em outro lugar, dessa vez em uma outra rua perto da praça, fico assustado: “como eu vim parar aqui?” Eu não me lembrava de nada. Olho para baixo, estou com a mesma roupa ainda. Vejo que tem uma banca ao lado e pergunto para moça que estava lá trabalhando, que dia era hoje? Ela respondeu 3 de janeiro.
Desesperado, pego o celular e ligo para o meu pai e ele atende:
– Filho, é você mesmo? Você chegou?
Avisto o meu pai do outro lado da rua e fico realmente espantado com a sua aparência. Ele não havia só envelhecido, parecia doente. Suas roupas eram piores do que as que os mendigos que vivem na praça vestiam.
– Pai estou chegando! O que aconteceu com você? Porque está desse jeito?
Começo a atravessar a rua com o telefone no ouvido:
– Filho, eu me perdi nessa vida, me entreguei à bebida, perdi tudo que eu tinha depois que você e sua mãe foram embora. A única coisa que eu tenho é este celular, para receber suas raras ligações e esperava que um dia iria me acolher e ajudar, mas como nunca mais foi me visitar eu tinha vergonha de dizer o que eu estava passando, eu sabia que a culpa era minha.
Eu paro no meio da faixa e encaro o meu pai com o rosto cheio de lágrimas. Escutei os mesmos barulhos e olhei para o lado. Vi um caminhão que simplesmente passou por mim, mas dessa vez não ficou escuro, muito pelo contrário. Estava tudo muito claro, parece que o tempo havia parado à minha volta.
– Olá Rodolfo, você deve estar se perguntando que bagunça é essa? Você sabe que dia é hoje? – Me disse o ser estranho com uma cabeça de cachorro que apareceu na minha frente.
Respondo desesperado:
– O que está acontecendo? Onde está meu pai? Por que não consigo alcançar meu pai? E por que acordei mais de uma vez nesse mesmo dia?
– Você está morto Rodolfo e estou aqui para te guiar.
– Me guiar? Estou tentando encontrar meu pai para ajudá-lo! Não preciso de ajuda, ele estava ali do outro lado da rua e você vai me guiar?
– Agora você quer ajudá-lo? Teve que morrer para perceber o estado em que seu pai está, enquanto você, um rico empresário, não poderia largar sua vida fútil e se preocupar com o seu pai. Você simplesmente o abandonou! Não se lembrava sequer que hoje era aniversário dele.
– A gente não se dava bem.
Abaixei minha cabeça com vergonha, percebi que isso não era motivo.
– Eu só estou fazendo o meu trabalho e meu trabalho é guiar os humanos para a eternidade. A sua vai ser viver eternamente esse dia.
Quando ele disse isso eu apaguei
E quando acordei era novamente dia 3 de Janeiro, aniversário do meu pai e dia de Anubis. Estava no meu carro, estacionado perto da igreja
e tudo se repetiu
novamente.
Ilustrador: Brendom Rodarte
Escritora: Nathália Santos